Em todo homem dormem, virtuais, os desejos sujos
alimentados pelos eflúvios do sangue e da carne!
Villiers De
L´isle–Adam
Senhoras
e senhores do júri, quero começar agradecendo a oportunidade que me foi
concedida. Como réu sou, obviamente, o principal interessado em minha defesa, e
devo dizer que, embora esteja satisfeito com os serviços de meu advogado ao
longo deste julgamento, creio que ele falhou em expor um retrato fiel de quem
eu realmente sou. A promotoria, por sua vez, realizou um excelente trabalho em
me retratar como um sociopata perigoso. Portanto, usarei este espaço
gentilmente cedido pelo nosso honorável juiz para mostrar a vocês que não sou
um monstro.
Sou
apenas um homem atormentado por impulsos que me levaram a ruína. Antes de
prosseguir, quero deixar claro que não tenho esperança alguma de ser absolvido,
e nem pretendo tentar justificar meus atos ou plantar em seus corações um
sentimento de pena que os induza a uma punição mais branda. Não, senhoras e
senhores do júri, tudo o que eu desejo é que vocês me conheçam melhor, e dessa
forma, e em posse de todos os fatos, sejam capazes de chegar ao veredicto
apropriado.
Creio
que a melhor forma de começar é explicando porque eu sou um estuprador. Sim, eu
reconheço e é com muita dificuldade que digo essas palavras. Não é fácil, como
um homem, admitir que minha libido funciona de uma maneira diferente dos demais
membros do sexo masculino. Desde que entrei na puberdade e comecei a me
interessar pelo sexo oposto nunca vi nenhum mérito no ato da conquista. Quando
eu era adolescente e meus amigos contavam sobre como beijaram uma menina no
cinema ou como deram uns amassos em alguma garota no banco detrás do carro,
isso tudo me soava tão tedioso. Nunca entendi qual prazer um homem poderia ter
em seduzir uma moça com palavras e gestos românticos. Por que pedir permissão
por algo que se pode tomar a força?
Vocês
ouviram depoimentos de psiquiatras sobre como o estupro é uma forma que homens
problemáticos encontram de exercer poder sobre as mulheres. A Dra. Vivian
Moreau explicou como o estuprador guarda um ressentimento das mulheres –
geralmente fruto de causas tão variáveis como uma má relação com a mãe, abuso
sexual na infância, inúmeras rejeições amorosas, relacionamentos que terminaram
mal e até mesmo homossexualidade enrustida – e desconta subjugando-as e
forçando-as a ter relações sexuais com ele.
Sinto
dizer-lhes, mas não é este o meu caso. Confesso que gostaria que fosse, pois
dessa forma seria muito mais fácil, da minha parte, transformar-me em um ser
digno de compaixão perante seus olhares, caros jurados, se eu tivesse sido
abusado na infância, ou se odiasse minha mãe, ou tivesse sido rejeitado por
muitas mulheres, ou ainda tivesse desejos homossexuais – qualquer uma dessas
opções tornaria minha transmutação de monstro para vítima incompreendida muito
conveniente.
Entretanto,
o fato é que não disponho de tais subterfúgios, e não me resta nenhuma outra
escolha senão me expor pelo o que realmente sou: um homem que estupra mulheres
por prazer. Eu amo minha mãe, senhoras e senhores, ela me criou com todo o amor
e carinho que uma mulher pode dar ao seu filho. Portanto, não a culpem por eu
ser quem eu sou. Também nunca tive problemas de rejeição com o sexo oposto.
Olhem para mim! Melhor ainda, olhem para a minha ex-esposa! Vejam Dolores
sentada ali no banco, entre a multidão e os jornalistas. Observem seus belos
olhos verdes, seus cabelos loiros e longos, os traços delicados de seu rosto,
reparem na perfeição de seu pequeno nariz e seus avermelhados lábios. Por
favor, querida! Não vire o rosto, Dolores. Você sabe que é linda! Você não
percebeu que todos, especialmente os homens, a observam atentamente desde que
você colocou os pés neste tribunal?
Perdoem
minha ex-esposa, caros jurados. Ou melhor, me perdoem pelo meu comportamento.
Ainda a amo, e saber que jamais a terei de volta é um sofrimento que nunca
superarei. Dolores, me perdoa! Me perdoa!
Sinto
muito, meritíssimo. Vou manter a compostura e seguir com minha declaração
final.
Enfim,
creio que a beleza ímpar de minha ex-esposa é uma prova mais do que convincente
de que gerar atração no sexo oposto nunca me fora um problema. Também garanto
que não possuo nenhum desejo homossexual enrustido. Eu adoro mulheres, tanto
que não resisto em estuprá-las.
Vocês
compreendem que eu as estupro porque este ato me dá um prazer sexual
indescritível? Não se trata de ressentimento ou qualquer outra explicação cheia
de psicologismos. Trata-se apenas de sexo puro e simples. Prazer sexual
primitivo. Estupro acontece em várias espécies animais. Por que com humanos
seria diferente? É a lei da natureza o mais forte subjugar o mais fraco e
usá-lo para satisfazer seus desejos. O que eu sinto, quando eu agarro uma
mulher a força, rasgo suas roupas, seguro seus braços enquanto a penetro e
observo seu rosto se contorcendo em desespero, é tesão – tesão em vê-la
subjugada e tesão em usufruir dos prazeres de seu corpo sem seu consentimento.
A
melhor forma de fazê-los entender o que eu sinto quando eu ataco uma mulher é a
seguinte: imaginem um garoto que roubou um doce de uma loja de guloseimas e
fugiu antes que o dono o pudesse capturá-lo. Imaginem a satisfação desse garoto
ao aprontar uma travessura e sair impune. É assim que eu me sinto quando possuo
uma mulher contra a vontade dela.
Felizmente
eu estou ciente de quais seriam as consequências caso tentasse estuprar uma
mulher. E garanto a vocês, caros jurados, que eu nunca estuprei uma humana em
minha vida, pelo menos não até o trágico incidente que me trouxe perante a lei.
Por favor, compreendam, estou perfeitamente ciente de que estupro é um ato
abominável. Nem ouso dizer que sei o trauma que deve ser para a vítima. Eu
simpatizo do fundo do meu coração, com as mulheres vítimas de tal crime
hediondo, embora, a contragosto, compartilhe do fetiche sexual de estupradores.
Por esta razão, por reconhecer o quanto meus desejos são imorais, fiz o que
muitos homens na minha condição fizeram: recorri as ginoides.
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