terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Casa da Dor




Em todo homem dormem, virtuais, os desejos sujos alimentados pelos eflúvios do sangue e da carne!

 Villiers De L´isle–Adam

Senhoras e senhores do júri, quero começar agradecendo a oportunidade que me foi concedida. Como réu sou, obviamente, o principal interessado em minha defesa, e devo dizer que, embora esteja satisfeito com os serviços de meu advogado ao longo deste julgamento, creio que ele falhou em expor um retrato fiel de quem eu realmente sou. A promotoria, por sua vez, realizou um excelente trabalho em me retratar como um sociopata perigoso. Portanto, usarei este espaço gentilmente cedido pelo nosso honorável juiz para mostrar a vocês que não sou um monstro.
Sou apenas um homem atormentado por impulsos que me levaram a ruína. Antes de prosseguir, quero deixar claro que não tenho esperança alguma de ser absolvido, e nem pretendo tentar justificar meus atos ou plantar em seus corações um sentimento de pena que os induza a uma punição mais branda. Não, senhoras e senhores do júri, tudo o que eu desejo é que vocês me conheçam melhor, e dessa forma, e em posse de todos os fatos, sejam capazes de chegar ao veredicto apropriado.
Creio que a melhor forma de começar é explicando porque eu sou um estuprador. Sim, eu reconheço e é com muita dificuldade que digo essas palavras. Não é fácil, como um homem, admitir que minha libido funciona de uma maneira diferente dos demais membros do sexo masculino. Desde que entrei na puberdade e comecei a me interessar pelo sexo oposto nunca vi nenhum mérito no ato da conquista. Quando eu era adolescente e meus amigos contavam sobre como beijaram uma menina no cinema ou como deram uns amassos em alguma garota no banco detrás do carro, isso tudo me soava tão tedioso. Nunca entendi qual prazer um homem poderia ter em seduzir uma moça com palavras e gestos românticos. Por que pedir permissão por algo que se pode tomar a força?
Vocês ouviram depoimentos de psiquiatras sobre como o estupro é uma forma que homens problemáticos encontram de exercer poder sobre as mulheres. A Dra. Vivian Moreau explicou como o estuprador guarda um ressentimento das mulheres – geralmente fruto de causas tão variáveis como uma má relação com a mãe, abuso sexual na infância, inúmeras rejeições amorosas, relacionamentos que terminaram mal e até mesmo homossexualidade enrustida – e desconta subjugando-as e forçando-as a ter relações sexuais com ele.
Sinto dizer-lhes, mas não é este o meu caso. Confesso que gostaria que fosse, pois dessa forma seria muito mais fácil, da minha parte, transformar-me em um ser digno de compaixão perante seus olhares, caros jurados, se eu tivesse sido abusado na infância, ou se odiasse minha mãe, ou tivesse sido rejeitado por muitas mulheres, ou ainda tivesse desejos homossexuais – qualquer uma dessas opções tornaria minha transmutação de monstro para vítima incompreendida muito conveniente.
Entretanto, o fato é que não disponho de tais subterfúgios, e não me resta nenhuma outra escolha senão me expor pelo o que realmente sou: um homem que estupra mulheres por prazer. Eu amo minha mãe, senhoras e senhores, ela me criou com todo o amor e carinho que uma mulher pode dar ao seu filho. Portanto, não a culpem por eu ser quem eu sou. Também nunca tive problemas de rejeição com o sexo oposto. Olhem para mim! Melhor ainda, olhem para a minha ex-esposa! Vejam Dolores sentada ali no banco, entre a multidão e os jornalistas. Observem seus belos olhos verdes, seus cabelos loiros e longos, os traços delicados de seu rosto, reparem na perfeição de seu pequeno nariz e seus avermelhados lábios. Por favor, querida! Não vire o rosto, Dolores. Você sabe que é linda! Você não percebeu que todos, especialmente os homens, a observam atentamente desde que você colocou os pés neste tribunal?
Perdoem minha ex-esposa, caros jurados. Ou melhor, me perdoem pelo meu comportamento. Ainda a amo, e saber que jamais a terei de volta é um sofrimento que nunca superarei. Dolores, me perdoa! Me perdoa!
Sinto muito, meritíssimo. Vou manter a compostura e seguir com minha declaração final.
Enfim, creio que a beleza ímpar de minha ex-esposa é uma prova mais do que convincente de que gerar atração no sexo oposto nunca me fora um problema. Também garanto que não possuo nenhum desejo homossexual enrustido. Eu adoro mulheres, tanto que não resisto em estuprá-las.
Vocês compreendem que eu as estupro porque este ato me dá um prazer sexual indescritível? Não se trata de ressentimento ou qualquer outra explicação cheia de psicologismos. Trata-se apenas de sexo puro e simples. Prazer sexual primitivo. Estupro acontece em várias espécies animais. Por que com humanos seria diferente? É a lei da natureza o mais forte subjugar o mais fraco e usá-lo para satisfazer seus desejos. O que eu sinto, quando eu agarro uma mulher a força, rasgo suas roupas, seguro seus braços enquanto a penetro e observo seu rosto se contorcendo em desespero, é tesão – tesão em vê-la subjugada e tesão em usufruir dos prazeres de seu corpo sem seu consentimento.
A melhor forma de fazê-los entender o que eu sinto quando eu ataco uma mulher é a seguinte: imaginem um garoto que roubou um doce de uma loja de guloseimas e fugiu antes que o dono o pudesse capturá-lo. Imaginem a satisfação desse garoto ao aprontar uma travessura e sair impune. É assim que eu me sinto quando possuo uma mulher contra a vontade dela.
Felizmente eu estou ciente de quais seriam as consequências caso tentasse estuprar uma mulher. E garanto a vocês, caros jurados, que eu nunca estuprei uma humana em minha vida, pelo menos não até o trágico incidente que me trouxe perante a lei. Por favor, compreendam, estou perfeitamente ciente de que estupro é um ato abominável. Nem ouso dizer que sei o trauma que deve ser para a vítima. Eu simpatizo do fundo do meu coração, com as mulheres vítimas de tal crime hediondo, embora, a contragosto, compartilhe do fetiche sexual de estupradores. Por esta razão, por reconhecer o quanto meus desejos são imorais, fiz o que muitos homens na minha condição fizeram: recorri as ginoides. 

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