quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sabine




(inspirado numa história de Marcel Aymé)

Á espreita, na calada da noite, escondida entre os arbustos próximos a janela, Sabine observava sua família. Estavam todos sentados em volta da mesa na sala de jantar. Seu marido ocupava a ponta, e a filha, ao lado esquerdo, conversava com o pai. A cor dos cabelos de Fernando a surpreenderam. Sabine nunca imaginou que seu esposo em pouco mais de uma década adquiriria tantos fios grisalhos.
E Bianca, ela era uma mulher adulta agora. Tinha 18... não...19 anos. Sabine esteve tanto tempo fora que se confundia. Ela lembrava-se de quando Bianca era criança, e, como ela costumava sentar-se em seu colo para que, em frente ao espelho localizado acima da cabeceira, no quarto onde dormia com seu esposo, Sabine escovasse os longos cabelos castanhos escuros de sua filha, um dos muitos traços o qual compartilhava com a menina, antes de colocá-la na cama.
Olhar para Bianca era como olhar para uma foto de si mesma quando jovem, A mente de Sabine não pode deixar de traçar um paralelo entre esta constatação e o seu primeiro encontro com a senhora Kosugi.

– Seja bem-vinda, Senhorita Lemos. Por favor, entre – disse Isadora, uma jovem asiática de cabelos lisos que iam até a cintura, ao abrir a porta.
Sabine adentrou o hall de entrada. Um longo corredor, cujas paredes expunham belos quadros, a levaram a presença da senhora Kosugi.
O bom gosto e o luxo predominavam na sala. O lugar era tão rico em detalhes decorativos, que iam desde os cristais nos lustres aos pequenos enfeites espalhados em mesas e estantes, passando pelo estofado vermelho rubro das poltronas.
No centro, sentada em uma poltrona, e com os pés esticados num banquinho, uma senhora idosa encontrava-se reclinada saboreando um drinque.
– Por favor, minha querida. Sente-se – pediu a amável senhora. – Isadora, sirva um drinque a nossa estimada advogada.
– Não, obrigado. Não precisa – respondeu Sabine, desajeitada, pois não intencionava fazer desfeita a sua anfitriã.
Miranda Kosugi era uma cliente importante. A firma de advocacia em que Sabine trabalhava cuidou por décadas dos assuntos jurídicos de seu falecido esposo. A viúva herdara toda a fortuna que seu companheiro, um proeminente executivo da Corporação Saiteki, conquistara, e junto com esta, os serviços prestados pelos empregadores de Sabine.
Sabine estava em plena ascensão dentro da empresa. Ela ganhara casos importantíssimos, e, se continuasse nesse ritmo, em pouco tempo poderia ser promovida a sócia-júnior, o que implicaria uma participação nos lucros. Porém, Sabine não se importava com o dinheiro em si, embora admitisse que esta era uma forma agradável de ser reconhecida. O que ela realmente amava era advogar. Sabine adorava conhecer a lei a fundo, amava estudá-la em seus mínimos detalhes e aprender todos os seus mecanismos.
Por reconhecerem o valor de Sabine, os seus superiores entregaram em suas mãos um de seus mais importantes clientes.
– Então, senhora Kosugi, o que posso fazer por você? – indagou Sabine, enquanto observava Isadora, admirada da semelhança entre mãe e filha.
– Diga-me. É possível fazer um testamento deixando sua herança para uma ginoide?
– Bom, as ginoides não tem direito algum reconhecido pela lei. São máquinas. Deixar uma herança para uma ginoide seria como tentar deixar uma torradeira de herdeira – Sabine respondeu curiosa.
A senhora Kosugi se levantou, auxiliada por Isadora, que a conduziu até uma estante repleta de porta-retratos.
– Veja, este é meu falecido marido – disse, apontando para um franzino asiático de óculos, que posava ao lado do endoesqueleto de uma ginoide.
Sabine passou os olhos em volta dos porta-retratos. E então se deparou com fotos da senhora Kosugi quando jovem. A semelhança entre ela na juventude e sua filha era impressionante.
– Você não vê nada de incomum nestas fotos? – inquiriu a senhora, num tom de voz em que claramente visava testar a perspicácia de sua advogada.
Sabine observou as fotos atentamente. A vida da senhora Kosugi e seu falecido esposo transcorreram perante seus olhos. Infância, aniversários, casamentos, viagens. Então Sabine notou o que havia de errado.
– Isadora, não há fotos de Isadora – disse, ao perceber que não havia fotos da jovem, nem do nascimento, nem quando criança ou adolescente. Nenhum aniversário, baile de debutante ou formatura.
Nada. Isadora simplesmente não era um personagem na história contada por aquelas fotos. A única exceção era sua fase adulta. Fotos de Isadora, já moça, ao lado de sua mãe em eventos e festas abundavam, contrastando com o vácuo dos primeiros anos de vida.
Como mãe, Sabine estranhou essa ausência.                                                          
– Muito bom, Sabine. Você é a primeira pessoa a perceber isso – afirmou a senhora Kosugi. – Isadora, traga o capacete.
Isadora saiu do recinto, voltando em mãos com um capacete negro. Era um capacete de realidade virtual, semelhante ao que sua filha Bianca usava quando brincava com jogos no computador.
Isadora parou em frente a Sabine, e sob o comando da senhora Kosugi, lhe entregou o capacete.
– Vista – pediu educadamente a senhora.
Sabine colocou o dispositivo em sua cabeça. Escuridão total. Então uma imagem apareceu.
Ela viu a si mesma.
Sabine moveu a cabeça para o lado direito e viu a senhora Kosugi. Virou a cabeça para frente e novamente viu a si própria. E ao virar para o lado esquerdo viu um espelho.
Ao invés de ver seu próprio reflexo, ela viu Isadora.
Sabine removeu o capacete, surpresa, e antes que pudesse fazer qualquer questionamento, a senhora Kosugi interviu.
– Sim, minha cara. Isadora é uma ginoide.
A senhora retirou um porta-retratos da estante. Era uma foto sua quando jovem.
– Meu marido, que Deus o tenha, me amava muito. E queria fazer por mim algo que nenhum homem jamais fizera por uma mulher – suspirou a idosa.
– Não estou entendendo... – Sabine não queria dizer isso, mas a frase escapou.
– Alguns homens ordenam que se construam palácios para suas amadas, outros contratam os melhores artistas para fazerem pinturas de suas esposas. Meu marido foi além, ela contratou os melhores roboticistas da Corporação Saiteki para construírem uma ginoide idêntica a mim. Este era seu presente. Ele dizia que essa era sua prova de amor a mulher de sua vida, e que minha beleza estaria para sempre em sua figura – a senhora Kosugi segurou uma pequena lágrima, que insistia em escorrer de seus olhos. – Eu nunca imaginava que as pessoas fossem pensar que Isadora era minha filha. Ao ouvirem falar da presença de uma jovem semelhante a mim em nossa mansão todos os tipos de boatos começaram. Como nunca senti que devia satisfação a ninguém, deixei o mundo pensar o que quisesse.
– Qual a função do capacete de RV? – perguntou Sabine, intrigada.
– Veja bem, minha querida. Sou uma mulher idosa e solitária. Isadora é o meu contato com o mundo exterior. Usando o capacete de RV eu enxergo tudo o que ela enxerga, e com este computador – ela apontou para o aparelho na cômoda – eu controlo todos os seus movimentos.
Sabine entendera o que se passara. Através da ginoide a senhora Kosugi estava revivendo sua juventude.
 – Quando eu não estou controlando Sabine, ela é uma inteligência artificial plena, capaz de cuidar de si e de outros – disse a senhora Kosugi, postando-se ao lado da ginoide. – Isadora é minha única companhia nos anos de velhice, senhorita Lemos. Ela cuida de mim, conversa comigo, faz a minha comida, controla meus medicamentos. É por isso que desejo deixar minha fortuna para ela.
– Bom, senhora Kosugi. O seu caso é complicado. Até hoje ninguém conseguiu o direito de partilhar seus bens com uma ginoide. Terei que analisar com maior cuidado.

A revelação trouxera a advogada possibilidades antes impensadas. Ela se sentia sobrecarregada. Sabine amava sua filha, amava seu marido, amava sua casa e todas as tarefas domésticas que vinham com esta. Ela queria ser uma boa mãe, queria ser uma boa esposa, queria se dedicar ao lar, se dedicar aos que amava.
Contudo, ela queria muito ser advogada. Desejava construir uma carreira digna. Porém, conciliar a vida de mãe e esposa com a vida de advogada tornava-se cada vez mais difícil. Se ela dedicava-se ao lar, sentia-se traindo sua carreira. Mas ao se dedicar a carreira, sentia-se negligenciando aqueles a quem amava.
Sendo assim, Sabine tomou uma decisão. Ela abandonou seu lar há doze anos. Mudou de cidade. Conseguiu um bom emprego em outra firma de advocacia. Alterou sua cor de cabelo, cor dos olhos e tudo mais que estivesse ao seu alcance. Sabine, a mãe de Bianca e esposa de Fernando, daria lugar a Sabine, a advogada, e desta vez para sempre. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A Mulher Imperfeita (trecho)





    O homem quer satisfazer seu único desejo com todas as mulheres.
                                                 A mulher quer um único homem que satisfaça todos os desejos dela.

 Ditado popular estadunidense

Hospital Santa Casa de Misericórdia, Porto Alegre, uma e meia da madrugada.

 Os estalos dos saltos agulha nos corredores do hospital rompiam o silêncio da noite. À medida que o som agudo aumentava, o doutor Gustavo Moraes sabia que em breve a porta de seu consultório seria aberta.
– Mandou me chamar, doutor? – perguntou a enfermeira Carine.
O doutor se levantou da cadeira e deu uma volta de 360 graus em torno da enfermeira. Os cabelos longos eram escuros, ondeados e, somados a sua pele branca, olhos verdes e um corpo de medidas perfeitas, formavam um agradável conjunto que apetecia os olhares masculinos. A ausência de constrangimento do doutor em admirar Carine contrastava com a total indiferença dela, que alheia a expressão lasciva do médico, permanecia de pé, com a postura elegante de uma candidata de concurso de beleza e um sorriso que lembrava um anúncio de pasta de dente.
– Sim, Carine. Quero que você faça algo para mim – respondeu o médico.
Não era a primeira vez que Gustavo Moraes se encontrava naquela situação. Mas aqueles foram outros tempos, antes da administração do hospital intervir. Ele sabia que não conseguiria o que desejava de Carine, entretanto, o plantão médico pode ser muito solitário. O desejo sexual de Gustavo era tão intenso que se sobrepunha a sua capacidade de aceitar os fatos, dando-lhe uma ilusória faísca de esperança e impedindo o doutor de aceitar o fato que desta vez, ao contrário das anteriores, não teria aquilo que tanto desejava.
– Carine, quero que você tire a roupa e se deite na mesa de exames – ordenou.
A enfermeira levou suas mãos até o botão no topo de sua blusa, cujo decote expunha fartos seios, e quando tudo indicava que Carine estava prestes a ficar nua, ela repentinamente afastou as mãos das roupas.
– Sinto muito. Não tenho permissão para executar esta ação. Para maiores informações entre em contato com a administração. Obrigado – disse Carine, com a face gélida e uma voz impessoal que nada lembrava o jeito dócil da enfermeira momentos antes.
– Porcaria – esbravejou o doutor em voz alta. – Maldita hora que a administração do hospital colocou essa droga de bloqueio nas ginoides.
“Doutor Gustavo Moraes, apresente-se imediatamente a sala de emergência”, era o aviso vindo da caixa de som em sua mesa, interrompendo seu monólogo raivoso.
Rapidamente o doutor saiu de seu consultório, acompanhado da ginoide modelo DDI-65. A chegada do doutor e de Carine à entrada da sala de emergência coincidiu com a dos paramédicos que carregavam dois homens em macas.
– O que aconteceu? – perguntou a um paramédico.
– Temos duas vítimas de espancamento.
A informação surpreendeu Gustavo Moraes. Sendo um médico experiente em prontos-socorros, ele já havia atendido muitas vítimas de acidentes de carro, e dado o estado dos homens nas macas, julgou que se tratava de mais um caso de acidente automobilístico.
Um dos homens começou a ter uma convulsão. Os paramédicos tentaram imobilizá-lo. Gustavo Moraes ordenou a Carine que aplicasse uma injeção de fenobarbital enquanto examinava o paciente com o seu aparelho de Raio-X portátil, constatando que o homem sofrera uma grave fratura na região cervical.
No meio do caos do atendimento, o médico não percebeu que havia, nas portas abertas da traseira da ambulância, estacionada perto da entrada do hospital, que encontrava-se escancarada, uma sacola preta, de onde podia-se ver longos cabelos loiros no qual do crânio destroçado saiam circuitos quebrados e fios de todas as cores.

Condomínio Dorea Rocha, Porto Alegre, duas semanas antes.

Da mira de sua espingarda Rodrigo observa o gueopardo caminhar pela savana. Alguns metros a frente há um riacho. Uma zebra tranquilamente beberica a água. O gueopardo aproxima-se. Um declive separa os dois animais. Da extremidade alta do declive, o gueopardo acompanha os movimentos de sua presa. O animal permanece imóvel. A zebra segue bebendo. O gueopardo estica suas pernas esguias e joga seu corpo para trás. Rodrigo move sua espingarda, ora para a esquerda, ora para a direita, tentando a todo custo acompanhar os movimentos de ambos os animais. Aponta a espingarda para a extremidade alta do declive. O gueopardo desapareceu. Ele quase não consegue enxergar o animal descendo o declive, pois este move-se a uma velocidade inacreditável. A zebra percebe o predador avançando e foge assustada. Uma perseguição tem início na savana africana.  A zebra corre, corre, corre, mas o gueopardo, que ganha mais e mais velocidade, dá passos cada vez maiores, e finalmente abocanha a garganta da zebra em plena corrida. O animal se debate agonizado. Sangue e pedaços da zebra escorrem pelos cantos da boca do gueopardo enquanto Rodrigo acompanha a cena pela mira de sua espingarda. Seus músculos estão tensos. O dedo indicador suado resvala no gatilho. Ele morde o lábio inferior. Respira fundo. Não tem certeza se este é o melhor momento para atirar.
– Amor, a comida está na mesa – uma suave voz feminina o informa, quebrando momentaneamente sua concentração.
– Já estou indo – responde Rodrigo.
Hora de tomar uma decisão, ou atira no gueopardo ou dá pause no jogo. Rodrigo detesta dar pause. Sempre considerou o pause uma forma de trapaça. Não há mais dúvidas. O gatilho é apertado. O gueopardo cai morto por cima da falecida zebra. O predador se torna presa. Rodrigo vibra com sua vitória.
Após algumas horas com o capacete de realidade virtual na cabeça Rodrigo já esperava sentir uma leve dor no pescoço. Esses novos modelos são mais leves que os modelos antigos, mas não importa a leveza, os capacetes ainda assim possuem algum peso e esse tinha seu efeito na coluna de jogadores compulsivos de Savana Assault. No entanto, a dor no pescoço não era nada que uma massagem de Priscila não amenizasse.
A visão da picanha assada no forno, acompanhada de salada de batata com maionese que o aguardava, era uma obra digna de um excelente chef de cozinha, e ele não podia esperar menos de Priscila, que estava de costas na pia, lavando a louça, usando nada além de um avental. Rodrigo gostava de saborear sua refeição observando as nádegas firmes e salientes dela, enquanto a loira se ocupava com seus afazeres domésticos.
Ao terminar sua refeição, Rodrigo levanta da mesa e coloca os braços em volta da cintura de Priscila. Ele coloca as mãos por dentro do avental e começa a acariciar os seios nus, ao mesmo tempo em que pressiona as nádegas dela contra sua virilha. Ela imediatamente larga os pratos, a esponja e se vira para beija-lo.
A campainha toca uma vez. Rodrigo beija Priscila. A campainha toca pela segunda vez. Rodrigo abaixa o avental de Priscila e mordisca os bicos de seus seios. A campainha toca pela terceira vez. A excitação sexual de Rodrigo esmorece.
Do outro lado da porta um rapaz franzino, com uma sacola na mão direita, está prestes a tocar a campainha novamente, quando um irritado Rodrigo abre a porta. Ao perceber quem é, o dono da casa adota um semblante de camaradagem.
– Oi, Rodrigo. Tudo bem? – disse o jovem.
– Tudo ótimo, Adriano. Entra.
A diferença física entre os dois homens era gritante. Rodrigo tinha ombros largos e um corpo rechonchudo. Seu queixo era quadrado e sua voz possuía um marcante tom de barítono. Adriano por sua vez, era muito menor, seus ombros eram pequenos e encolhidos. O queixo fino desaparecia atrás de uma espessa barba que cobria seu rosto, e sua voz, que oscilava entre o agudo e o médio agudo, lembrava a de uma criança recém-entrada na puberdade.
Rodrigo convida Adriano a se sentar, e da sala grita para Priscila trazer uma cerveja ao amigo. Adriano diz que não é necessário, mas mal termina de dizer tais palavras e lá está ela, seminua, a sua frente. Um tanto constrangido Adriano aceita a bebida. Rodrigo não deixa de notar a forma como seu amigo dispersa o olhar ao redor da sala, evitando encarar Priscila.
– Sabe, nunca vou entender o que você tem contra ginoides – comentou Rodrigo.
– Não tenho nada contra ginoides. Apenas não acho que seja normal um homem se relacionar com uma máquina.
– Agora você está parecendo aqueles fanáticos religiosos ciberfóbicos, ou pior, aquelas doidas feministas que odeiam ginoides.
– Não é isso. Acredite, não sou preconceituoso – disse Adriano, em tom de desculpa. – É que eu não acho que ter uma namorada robô, ou seja lá como você chame o tipo de relação que você tem com Priscila, seja saudável. Quer dizer, você não sente falta de ter uma mulher real ao seu lado? Alguém que também tenha sentimentos e compartilhe esses sentimentos com você?
– Mas Priscila tem sentimentos.
– Priscila não tem sentimentos. Ela é uma inteligência artificial e tudo que ela possui são reações físicas programadas que simulam emoções. Se ela ri é um programa, se ela chora é outro programa. Ela não é capaz de sentir emoções.
– Como você pode afirmar com tanta certeza que inteligências artificiais não possuem sentimentos?
– É o que os cientistas dizem.
– Os cientistas? O que sabem eles? Há muito tempo atrás, século 19, se não me engano, você sabe que história não é meu forte, cientistas diziam que era impossível ultrapassar a velocidade da luz. Sabia disso? – Adriano recebeu a informação de Rodrigo com certa surpresa. – Se você quer saber algo sobre ginoides é preciso conviver com elas. Convivo com ginoides desde que eu era adolescente e afirmo que os sentimentos de Priscila são tão verdadeiros como os meus e os seus.
– Mas mesmo que inteligências artificiais possuam sentimentos, você não se sente incomodado em saber que uma máquina possa ter afeto por você? A mim isso me causa calafrio, sinto muito se lhe ofendo, mas estou sendo franco.
– Não me incomoda nem um pouco – respondeu Rodrigo. – Para falar a verdade não me importo se Priscila tem sentimentos ou não, o que importa é que eu tenho sentimentos por ela, e isso me basta.
– Então você admite que ginoides talvez não possuam sentimentos?
– Sim, admito. É uma possibilidade.
– Suponha que eu esteja certo, suponha que inteligências artificiais não possuam sentimentos. Nesse caso, se ginoides não tem sentimentos, então quando uma ginoide diz “eu te amo”, por mais sentimento que ela coloque na entonação nas palavras, por mais que seu rosto expresse emoções e por mais sincero que pareça, não é verdadeiro. Isso não te incomoda?
– Você fala como se os seres humanos fossem sempre sinceros. Diga-me, você acredita mesmo que casais humanos são sempre sinceros quando dizem “eu te amo” um ao outro?
Os comentários de Rodrigo feriam Adriano não pela acidez em si, mas pela possibilidade de que ele poderia estar certo. Não era raro Adriano perguntar a si próprio se talvez ele não fosse ingênuo demais, e por esta razão não enxergasse a realidade como de fato é.
 Adriano decidiu tentar uma abordagem diferente, e perguntou, com secura, a Rodrigo:
 – Você ama Priscila?
– Sim, eu a amo – respondeu de uma forma que Adriano não soube dizer se suas palavras eram sinceras.
– Aposto que você devia amar também a modelo anterior que você tinha. Como era mesmo o modelo? NHA-69 ou algo assim....
– NHA-59 – corrigiu Rodrigo.
– Mas mesmo assim você a vendeu e comprou esse modelo novo. Como é mesmo o nome?
– RBL-73 – chamo todos os modelos de ginoides que eu compro de Priscila porque gosto da sonoridade. Pris-ci-la, Pris-ci-la – repetiu lentamente o nome, como se estivesse tendo um regozijo ao separar as sílabas.
– Isso, RBL-73, fazem tantos modelos diferentes que eu esqueço os nomes. Mas, voltando a pergunta, como você pode dizer que ama Priscila se basta lançarem um modelo novo para que você se desfaça dela? Como você pode dizer que a ama se a trata como mercadoria?
– Eu digo que amo Priscila porque ela me faz feliz tanto quanto minha antiga ginoide. E se lançarem no mercado uma ginoide que me faça mais feliz que Priscila pode ter certeza que vou me desfazer dela. Amor é isso, você ama pessoas pelo que elas podem fazer por você. Nada mais. Quantos relacionamentos acabam porque uma das partes encontrou alguém que satisfaz melhor suas necessidades? Quantos homens não trocam sua esposa por uma mulher mais jovem? Quantas mulheres não abandonam seus maridos por homens mais ricos? O que eu e outros ciberssexuais fazemos não é nem um pouco diferente. Homens e mulheres se tratam como mercadorias o tempo todo. Se você vai me julgar, então os julgue também.
– Mas isso não é amor – Adriano insistiu. – Amor é quando duas pessoas se encontram, sentem uma atração especial uma pela outra e querem ficar juntas. Você não pode ter esse sentimento com uma ginoide. E sabe por quê? Ginoides são todas iguais. Elas não tem vontade própria, não tem personalidade. Ginoides existem apenas para servir aos seus usuários. Duvido que você seja capaz de dizer uma única característica que diferencie Priscila de todos os modelos que você teve antes.
– Claro que posso dizer que havia características diferentes entre um modelo e outro – respondeu Rodrigo, que pausou para tomar um gole de cerveja. – Os modelos da série RBL-73 têm seios ajustáveis. Priscila pode aumentar e diminuir o tamanho dos seios conforme o gosto do usuário. Comprei Priscila porque o meu modelo antigo não tinha seios ajustáveis e, por incrível que pareça, chega uma hora que enjoa transar sempre com uma mulher de seios enormes. É bom variar e.....
– Falo de características como pessoa, Rodrigo.
– Como pessoa?
– É, do que elas gostam, o jeito como elas falam, o que elas pensam, desejam. É disso que estou falando, dessa singularidade que todo ser humano, e apenas humanos, possuem, que faz com que você queira se relacionar com outra pessoa.
– Eu me “relaciono” muito bem com Priscila, se é que você me entende – disse Rodrigo, numa tentativa de ser engraçado.
– Você entendeu o que eu quis dizer – falou Adriano, decepcionado.
– Olha, Adriano, ao contrário do que você pensa, Priscila tem uma personalidade. Eu sei, é uma personalidade moldada de acordo com os gostos e desejos do usuário, mas ainda assim é uma personalidade, e isso, no final das contas, é o que importa.
– Mas Priscila não é humana, ela não o ama de verdade! – retrucou Adriano, quase estridente.
Adriano ficou constrangido por erguer o tom da sua voz de forma tão aguda. Um certo receio, que Rodrigo não entendeu a razão, transpareceu nos gestos de seu amigo, que levava a mão a boca e tossia. Adriano tomou um demorado gole de cerveja e silenciou-se.
– Já que estamos falando em compra e venda de ginoides, veja isso – Rodrigo retomou a conversa, ligando o computador.
Ele encostou gentilmente a mão em uma pasta na tela do computador e a imagem de uma loira apareceu.
– Esse é o novo modelo SDA-79. Sabe quando eu falei que é enjoativo transar sempre com uma mulher de seios grandes, e como às vezes seios pequenos são bacanas? Transar com loiras também pode enjoar, e foi pensando nisso que a Corporação Saiteki criou esse modelo. Vai ser lançado no mercado daqui a alguns meses, mas já está a pré-venda.
Rodrigo deu um segundo toque na tela e a loira na imagem aos poucos começou a se transformar. Seus cabelos lisos e dourados foram substituídos por cabelos encaracolados e castanhos. Sua pele clara adquiria gradativamente um tom marrom. Ao fim da transformação a loira na tela do computador deu lugar a uma sensual mulata.
– Não é sensacional? – disse um empolgado Rodrigo a um Adriano cujo olhar expressava uma mal disfarçada indignação perante a imagem na tela. – Basta o usuário dar o comando que a SDA-79 se transforma de uma loira em uma morena, ou em uma ruiva ou até mesmo uma mulata. Agora você pode ter todas as mulheres que desejar numa única. A SDA-79 é o harém de uma mulher só.
Priscila entra na sala. A naturalidade com que ela caminha seminua pelo apartamento deixa Adriano perplexo.
– Amor, me faça uma massagem – ordenou Rodrigo. – Já encomendei a minha SDA-79. Deve chegar daqui a alguns meses. Quanto a Priscila acho que consigo um bom preço por ela numa loja de ginoides usadas.
– Não fale assim na frente dela! – disse Adriano, novamente com um timbre de voz agudo.
– Qual o problema? Não foi você quem disse agora a pouco que ginoides são máquinas sem sentimentos? – retrucou Rodrigo, um pouco irritado.
Adriano não respondeu. Enquanto a ginoide movimentava seus dedos pelo pescoço de Rodrigo, que soltava pequenos gemidos de satisfação, Adriano a contemplava e refletia sobre sua reação. Priscila era humana em todos os aspectos pelo qual podia-se tomar por critério de julgamento. Não fosse o comportamento subserviente, e a perfeição de seu corpo, somados a indiferença com que a ginoide cumpria suas funções, era impossível distingui-la de uma mulher humana. Adriano havia finalmente compreendido como era fácil se deixar enganar pelas aparências e esquecer que Priscila era uma máquina.
– Bom, acabei me esquecendo a razão pela qual passei aqui – falou Adriano, retirando um pacote de sua sacola, e entregando-o ao amigo.
Rodrigo abriu o pacote e viu a torta de maçã.
– Fui eu quem fiz. Espero que goste – disse Adriano, sorrindo.
Rodrigo apreciava a amizade de Adriano, mas não podia deixar de estranhar os gestos de seu amigo. Não era a primeira vez que o presenteava, e quando saíam juntos, Adriano sempre insistia em pagar a conta. A ideia de que ele fosse homossexual cruzou a sua cabeça em mais de uma ocasião. Isso explicaria tanto o jeito efeminado de seu amigo quanto a sua implicância com as ginoides. No entanto, como Adriano nunca havia passado do ponto de fazer meros agrados, Rodrigo não via razão para traçar um limite. Além disso, se sentiria um hipócrita se deixasse de conviver com seu amigo por causa de sua orientação sexual, sendo que o próprio Rodrigo, por causa de suas preferências sexuais, também era vítima de preconceito.
– Adriano, meu irmão está na cidade. Ele veio visitar meus pais e haverá uma janta na casa deles. Você não gostaria de ir?
– Sim, é claro – respondeu feliz. – Mas, por que você quer que eu vá a uma reunião de sua família?
– Bem...sabe...meus pais são antiquados. Eles têm aquela visão preconceituosa que ciberssexuais são pessoas doentes que não se relacionam com ninguém e passam o tempo todo satisfazendo suas perversões sexuais com ginoides. Se você for, mostrarei a meus pais que sou como todo mundo, que tenho amigos e uma vida social, e que só porque optei por me relacionar com uma máquina isso não me torna diferente de ninguém.
– Tudo bem, pode contar comigo, quando será o jantar?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Casa da Dor




Em todo homem dormem, virtuais, os desejos sujos alimentados pelos eflúvios do sangue e da carne!

 Villiers De L´isle–Adam

Senhoras e senhores do júri, quero começar agradecendo a oportunidade que me foi concedida. Como réu sou, obviamente, o principal interessado em minha defesa, e devo dizer que, embora esteja satisfeito com os serviços de meu advogado ao longo deste julgamento, creio que ele falhou em expor um retrato fiel de quem eu realmente sou. A promotoria, por sua vez, realizou um excelente trabalho em me retratar como um sociopata perigoso. Portanto, usarei este espaço gentilmente cedido pelo nosso honorável juiz para mostrar a vocês que não sou um monstro.
Sou apenas um homem atormentado por impulsos que me levaram a ruína. Antes de prosseguir, quero deixar claro que não tenho esperança alguma de ser absolvido, e nem pretendo tentar justificar meus atos ou plantar em seus corações um sentimento de pena que os induza a uma punição mais branda. Não, senhoras e senhores do júri, tudo o que eu desejo é que vocês me conheçam melhor, e dessa forma, e em posse de todos os fatos, sejam capazes de chegar ao veredicto apropriado.
Creio que a melhor forma de começar é explicando porque eu sou um estuprador. Sim, eu reconheço e é com muita dificuldade que digo essas palavras. Não é fácil, como um homem, admitir que minha libido funciona de uma maneira diferente dos demais membros do sexo masculino. Desde que entrei na puberdade e comecei a me interessar pelo sexo oposto nunca vi nenhum mérito no ato da conquista. Quando eu era adolescente e meus amigos contavam sobre como beijaram uma menina no cinema ou como deram uns amassos em alguma garota no banco detrás do carro, isso tudo me soava tão tedioso. Nunca entendi qual prazer um homem poderia ter em seduzir uma moça com palavras e gestos românticos. Por que pedir permissão por algo que se pode tomar a força?
Vocês ouviram depoimentos de psiquiatras sobre como o estupro é uma forma que homens problemáticos encontram de exercer poder sobre as mulheres. A Dra. Vivian Moreau explicou como o estuprador guarda um ressentimento das mulheres – geralmente fruto de causas tão variáveis como uma má relação com a mãe, abuso sexual na infância, inúmeras rejeições amorosas, relacionamentos que terminaram mal e até mesmo homossexualidade enrustida – e desconta subjugando-as e forçando-as a ter relações sexuais com ele.
Sinto dizer-lhes, mas não é este o meu caso. Confesso que gostaria que fosse, pois dessa forma seria muito mais fácil, da minha parte, transformar-me em um ser digno de compaixão perante seus olhares, caros jurados, se eu tivesse sido abusado na infância, ou se odiasse minha mãe, ou tivesse sido rejeitado por muitas mulheres, ou ainda tivesse desejos homossexuais – qualquer uma dessas opções tornaria minha transmutação de monstro para vítima incompreendida muito conveniente.
Entretanto, o fato é que não disponho de tais subterfúgios, e não me resta nenhuma outra escolha senão me expor pelo o que realmente sou: um homem que estupra mulheres por prazer. Eu amo minha mãe, senhoras e senhores, ela me criou com todo o amor e carinho que uma mulher pode dar ao seu filho. Portanto, não a culpem por eu ser quem eu sou. Também nunca tive problemas de rejeição com o sexo oposto. Olhem para mim! Melhor ainda, olhem para a minha ex-esposa! Vejam Dolores sentada ali no banco, entre a multidão e os jornalistas. Observem seus belos olhos verdes, seus cabelos loiros e longos, os traços delicados de seu rosto, reparem na perfeição de seu pequeno nariz e seus avermelhados lábios. Por favor, querida! Não vire o rosto, Dolores. Você sabe que é linda! Você não percebeu que todos, especialmente os homens, a observam atentamente desde que você colocou os pés neste tribunal?
Perdoem minha ex-esposa, caros jurados. Ou melhor, me perdoem pelo meu comportamento. Ainda a amo, e saber que jamais a terei de volta é um sofrimento que nunca superarei. Dolores, me perdoa! Me perdoa!
Sinto muito, meritíssimo. Vou manter a compostura e seguir com minha declaração final.
Enfim, creio que a beleza ímpar de minha ex-esposa é uma prova mais do que convincente de que gerar atração no sexo oposto nunca me fora um problema. Também garanto que não possuo nenhum desejo homossexual enrustido. Eu adoro mulheres, tanto que não resisto em estuprá-las.
Vocês compreendem que eu as estupro porque este ato me dá um prazer sexual indescritível? Não se trata de ressentimento ou qualquer outra explicação cheia de psicologismos. Trata-se apenas de sexo puro e simples. Prazer sexual primitivo. Estupro acontece em várias espécies animais. Por que com humanos seria diferente? É a lei da natureza o mais forte subjugar o mais fraco e usá-lo para satisfazer seus desejos. O que eu sinto, quando eu agarro uma mulher a força, rasgo suas roupas, seguro seus braços enquanto a penetro e observo seu rosto se contorcendo em desespero, é tesão – tesão em vê-la subjugada e tesão em usufruir dos prazeres de seu corpo sem seu consentimento.
A melhor forma de fazê-los entender o que eu sinto quando eu ataco uma mulher é a seguinte: imaginem um garoto que roubou um doce de uma loja de guloseimas e fugiu antes que o dono o pudesse capturá-lo. Imaginem a satisfação desse garoto ao aprontar uma travessura e sair impune. É assim que eu me sinto quando possuo uma mulher contra a vontade dela.
Felizmente eu estou ciente de quais seriam as consequências caso tentasse estuprar uma mulher. E garanto a vocês, caros jurados, que eu nunca estuprei uma humana em minha vida, pelo menos não até o trágico incidente que me trouxe perante a lei. Por favor, compreendam, estou perfeitamente ciente de que estupro é um ato abominável. Nem ouso dizer que sei o trauma que deve ser para a vítima. Eu simpatizo do fundo do meu coração, com as mulheres vítimas de tal crime hediondo, embora, a contragosto, compartilhe do fetiche sexual de estupradores. Por esta razão, por reconhecer o quanto meus desejos são imorais, fiz o que muitos homens na minha condição fizeram: recorri as ginoides. 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A Eva Mecânica (trecho)


A Eva Mecânica

A paixão começa doce, e termina amarga.

                             Ditado popular

Quando um homem está apaixonado a única realidade que existe é aquela que ele cria em sua mente. Tornamo-nos escravos de nossos sentimentos, e não mais somos capazes de pensar claramente. A paixão entorpece, e no final arruína a vida de sua vítima. Crimes passionais, suicídios, depressão, a paixão gera tragédias que poderiam ser evitadas, caso o ser humano se esforçasse em ser um pouco mais racional. Portanto, não tentarei, neste breve relato que escrevo em minha cela, apontar culpados, pois reconheço que sou o único responsável pela minha sina. Meu intuito é apenas expor ao leitor as circunstâncias que levaram ao meu encarceramento. Que este documento sirva de alerta a todos os homens que sofrem com o feitiço da paixão.
Lembro-me da primeira vez que soube das ginoides. Lera numa revista do meu avô, datada do início do século 21, acerca dos primeiros modelos. Naquela época elas ainda não eram chamadas de ginoides, mas simplesmente de robôs. Aliás, nem dava para comparar as ginoides daquela época com os modelos de hoje. É o mesmo que querer comparar velhos televisores LCD com os atuais aparelhos holográficos. Olhando para as fotos entendi porque as primeiras ginoides eram apenas uma curiosidade de feiras científicas. Robôs com formas femininas, que imitavam uma mulher, e cobertos com silicone, que emulava a pele humana. Percebia-se claramente que aquilo não era uma mulher. Isso explica porque as primeiras tentativas de comercialização das ginoides resultaram em um fracasso retumbante.
Mas com o passar das décadas, a tecnologia evoluiu e as gerações seguintes de ginoides foram ficando cada vez mais sofisticadas. A grande virada aconteceu com a invenção da carne sintética, inicialmente desenvolvida para tratar de vítimas de queimaduras, e que logo passou a ser utilizada também na fabricação de ginoides. O resultado foi que se tornou impossível diferenciar uma ginoide de uma mulher de carne e osso. E não era só a aparência, ao tocá-las, sentia-se também a textura da pele humana, incluindo o calor do corpo. Embora esse novo modelo fosse num primeiro momento vendido a um valor altíssimo, que poucos homens podiam pagar, não tardou para que o preço baixasse, e, em pouco tempo, as ginoides tornaram-se acessíveis ao homem comum.
Feministas celebraram e prostitutas reclamaram. As primeiras, alegando que as ginoides haviam libertado as mulheres de uma das mais antigas formas de opressão masculina. As segundas, porque as ginoides simplesmente arruinaram o ramo da prostituição. Donos de prostíbulos começaram a dispensar suas “funcionárias” e substituí-las por ginoides. As razões são óbvias, ginoides não dormem, não precisam comer, estão dispostas a fazer sexo 24 horas por dia e realizar qualquer fantasia sexual do cliente, por mais bizarra que fosse, sem se sentir constrangida ou humilhada, e ainda por cima estão sempre belas, não envelhecem, não menstruam e não correm o risco de engravidar. Fora que ginoides não exigem pagamento do cliente e o prostíbulo pode ficar com todo o lucro para si. 
Embora prostitutas tenham se organizado e feito protestos contra as ginoides, isso surtiu nenhum efeito. Frequentadores de prostíbulos não queriam saber mais de prostitutas comuns, queriam as ginoides, porque, além de serem mais belas que as mulheres de carne e osso, estavam sempre prontas para realizar qualquer desejo sexual do cliente. Era o fim da profissão prostituição, pelo menos para as mulheres humanas.
Mas houve uma reviravolta quando a Corporação Saiteki desenvolveu um software que passou no teste de Turing1, e criou a primeira inteligência artificial do planeta. Isso resolveu o último grande defeito: a falta de personalidade. Agora ginoides não apenas eram mulheres belíssimas e excelentes amantes na cama, como também se tornaram versadas em diversos assuntos, sendo capazes de conversar com o usuário sobre qualquer tema de seu interesse, de futebol a política. As ginoides, sempre carinhosas, sempre belas, sempre boas donas de casa e sempre dispostas a sexo, tornaram-se a mulher dos sonhos de todos os homens.
Em pouco tempo, homens começaram a perder o interesse pelas mulheres de carne e osso e filas formaram-se em frente às lojas revendedoras de ginoides. Dessa vez foi a vez das mulheres comuns, indignadas ao verem homens as preterindo por ginoides, protestarem, e dessa vez o protesto surtiu efeito. O uso das ginoides passou a ser regulamentado. Homens foram proibidos de se casar ou manter qualquer vínculo afetivo com ginoides, sob pena de prisão, e o uso delas ficou restrito apenas para fins de exploração sexual, ou seja, prostituição.
Isso foi um desastre para os milhares de homens comuns que não tinham sorte no amor e estavam solitários. Sou um deles, e foi para homens como eu que surgiu um mercado negro de ginoides. O esquema funciona da seguinte forma: para o homem que paga a quantia certa de dinheiro, o contrabandista consegue um bom modelo sem número de série. E o melhor de tudo, providencia também certidão de nascimento e carteira de identidade falsa, de modo que ela pode passar por esposa ou namorada, sem que ninguém perceba, visto que é impossível diferenciar uma ginoide de uma mulher de carne e osso apenas conversando ou olhando para ela.
Consegui o número de um contrabandista por meio de um amigo. Era tarde da noite, bati na porta e um homem a abriu. Era o meliante, havíamos nos encontrado dias atrás em um barzinho, para discutir preço e especificações do modelo. Ele me disse para entrar, estávamos num antigo armazém, caminhamos por um corredor pouco iluminado, descemos uma escada e entramos em um porão. Lá estava a ginoide. Cabelos escuros e lisos, pele clara, seios grandes, olhos castanhos, corpo atlético, tudo conforme havia pedido. Ela era simplesmente perfeita, não sabia nem o que dizer.
O contrabandista me disse para escolher um nome. Escolhi Eva, era mais do que apropriado.


domingo, 6 de janeiro de 2013

A Última Mulher da Terra




Se não fosse pelas mulheres o homem ainda estaria agachado em uma caverna comendo carne crua. Nós só construímos a civilização com o fim de impressionar nossas namoradas.·.
                     
                      Orson Welles

I

O nome do livro em minhas mãos era A Extinção de um Gênero: a História das Mulheres no Terceiro Milênio, de T.W. Riparetti. 

A origem do Vírus Hemorrágico Uterino (VHU) tem sido o ponto de maior controvérsia na comunidade científica. Entre as teorias mais populares destacamos a que postula que o vírus VHU foi uma arma biológica que escapou do controle devido alguma falha de segurança laboratorial ou foi propositadamente disseminada entre a população por razões obscuras. Outra corrente teórica defende que o VHU fora originalmente concebido como uma terapia gênica para mulheres portadoras da Síndrome de Turner, mas sofrera uma mutação, tornando-se letal. Há também a crença popular de que o VHU fora um castigo divino a humanidade. O único consenso na comunidade científica é que todas as teorias carecem de evidências que a sustentem.
Indivíduos do sexo masculino são imunes ao vírus. O gene EFCYO, localizado no cromossomo Y e encontrado apenas neste, torna homens resistentes a infecção. Essa característica única do vírus reforça a hipótese de que se trata de um produto de laboratório. A infecção pode ser transmitida de um individuo a outro via aérea ou através de gotículas de saliva. Cabe também observar que homens, apesar de serem imunes ao vírus, são agentes disseminadores. O período de incubação do VHU é de seis meses. A portadora do vírus não apresenta qualquer sintoma nesse meio tempo. O primeiro sintoma é hemorragia interna no útero. À medida que a doença progride o sangramento torna-se mais intenso e incontrolável. A mídia da época popularizou a expressão a “praga vermelha”, nome informal dado ao vírus.

– Pai, como é uma mulher de verdade? – fora a pergunta de meu filho de dez anos.
– Bom, filho, elas não eram diferentes de sua mãe – respondi enquanto folheava o livro, procurando por uma das várias fotos de mulheres que havia ao longo da obra. –Veja! Aí está, é uma mulher como outra qualquer.
 Apontei para a foto, era a capa de uma revista de moda do século 21. Vogue era a palavra acima da mulher. Eu estava mentindo. Elas eram muito diferentes de uma ginoide.
– Mas a mãe não é de carne e osso – Nathaniel fez uma pergunta desconcertante.
– Acho que você tem razão – respondi lacônico.
 Fiquei em silêncio por um instante, pensando no que dizer.
– Mas porque você pergunta? Você não gosta da sua mãe? – indaguei curioso.
– Gosto sim, eu amo muito a mãe – disse Nathaniel, enfático.
– Então porque você quer saber como é uma mulher de verdade? – Nathaniel não respondeu.
Ele começou a folhear o livro com um olhar reflexivo, como se procurasse em suas páginas a resposta para minha pergunta.
Estudamos por mais uma meia hora. Janine colocou Nathaniel para dormir. Passando pelo corredor rumo a sala de ginástica eu podia ouvi-la cantando uma canção de ninar com a perfeição lírica que apenas uma ginoide é capaz.
Acendi as luzes da sala de ginástica, e lá estavam os androides de combate. Dei o comando de voz e uma unidade se ativou. Selecionei a modalidade karatê Shotokan, porque este era o estilo em que eu me considerava mais deficiente. Começamos a lutar. Após um bom combate subi para o meu quarto. Janine preparou um banho quente. Entramos juntos na banheira e transamos. Fui para a cama. Tinha uma entrevista às nove horas no Canal 23.

Alonzo Vargas era um homem gordo, muito gordo. Havia apenas quatro anos de diferença entre nós, sendo ele mais jovem do que eu, entretanto, sua obesidade o fazia parecer décadas mais velho. Suas roupas largas e coloridas lembravam um paraquedas aberto, e devo essa comparação graças a minha experiência com esse esquecido esporte radical. Seu sorriso excessivamente branco, pele sebosa e olhar abestalhado contribuíram para dar a ele um aspecto desagradável.
– Senhoras e senhores, aqui estamos com o nosso convidado de hoje. Mais uma vez conosco, Bruno Donovan, “o destemido” – disse Vargas para a câmera.
– Bom dia a todos – respondi secamente.
Pensava na palavra “senhoras” que Vargas usou para se dirigir ao público, e como, apesar de ginoides serem apenas máquinas, nenhum homem as via dessa forma.
– Bruno, alguns dizem que você é corajoso, outros dizem que você é louco, mas o fato é que suas extravagâncias e peripécias lhe renderam o apelido de “o destemido”. Diga-nos, após escalar as montanhas de Marte, mergulhar nos oceanos profundos das luas de Júpiter e ver as monstruosas e gigantescas criaturas que habitavam as suas gélidas águas qual o seu próximo projeto?
– Bom, Alonzo, para falar a verdade, acho que já fiz tudo que tinha para fazer nesse mundo...e em outros – dei uma leve risada constrangida.
– Vou fazer a pergunta que está na mente de todos: porque você se arrisca dessa forma? – Alonzo sempre fazia essa pergunta quando eu ia ao programa dele, e todas às vezes eu dava a mesma resposta.
– Olha, é difícil de explicar. Você nunca sentiu que falta algo na sua vida? – Alonzo me olhou como se eu estivesse falando outro idioma.
– Eu sempre senti um vazio que nunca consegui explicar. Não me entenda mal, tenho uma vida maravilhosa. Sou grato por isso. No entanto, por mais que eu compreenda que devia ser feliz, não me sinto plenamente feliz. Nunca me senti. E essa insatisfação, de alguma forma, é o combustível de minhas proezas – me surpreendi com o tom poético de minha resposta.
Entretanto, minhas próprias palavras não me convenciam, o que acredito ser a razão de Alonzo, e praticamente todo mundo que me abordava na rua, fazer sempre a mesma pergunta.
– Muito bem, vamos fazer uma retrospectiva de sua carreira. Vamos falar da vez em que você escalou o Monte Everest...
 Respondi às perguntas me esforçando aparentar interessado. Quando comecei a buscar por aventuras, alguns anos após a pane de minha mãe, nunca imaginei que seria alçado ao posto de celebridade mundial. “Não há mais nada interessante acontecendo no mundo. Você é a melhor notícia em trezentos anos”, me explicou Alonzo na primeira vez em que me procurou pedindo para lhe conceder uma entrevista.
Alonzo me convidou para almoçar num restaurante italiano próximo ao estúdio do Canal 23. Ele disse que as garçonetes eram as ginoides mais belas que havia na cidade. Entre uma conversa banal e outra, devidamente regada a vinho e massa da melhor qualidade, fomos abordados por um rapaz.
– Seu Bruno, posso ter uma palavrinha? – perguntou um jovem que parecia recém-saído da adolescência.
– Qual seria o assunto? – indaguei.
O rapaz ficou sem jeito, e então respondeu:
– Acho que seria melhor falarmos em particular.
– Bobagem. Alonzo é meu amigo. O que você tiver para me dizer pode falar na frente dele – respondi descontraído ao rapaz.
– Posso me sentar? – Alonzo e eu cruzamos olhares e meu amigo fez uma expressão como se estivesse dizendo “você decide”.
– Por favor, sente-se – disse ao jovem, indicando uma cadeira.

Graças a tarefa de ajudar meu filho no seu dever de casa terminei desenvolvendo um gosto inesperado por história. Meu foco de interesse eram as partes obscuras e inexplicáveis, e que no meio acadêmico não passavam de lendas e mitos. Como, por exemplo, a cidade perdida de Atlântida, o acidente em Roswell e a lenda moderna da última mulher da Terra. Segundo essa lenda, quando a epidemia do vírus VHU alcançou níveis assustadores uma mulher teria sido colocada em estado criogênico e escondida em algum lugar. As explicações sobre quem teria feito isso e onde estaria essa mulher eram das mais diversas. Alguns diziam que teria sido um trabalho da extinta ONU e que a mulher estaria em uma base secreta na lua. Outros, que a Corporação Saiteki teria uma mulher preservada em seus laboratórios.
No entanto, não havia o menor indício de que tal mulher existisse. Some-se o fato de que há trezentos anos a criogenia era uma ciência incipiente. De cada dez tentativas de preservar um ser humano em animação suspensa, nove resultavam na morte do indivíduo. Além disso, nenhuma tentativa de hibernação por um longo período havia sido bem sucedida. Não era de se surpreender que essa história tenha sido relegada a categoria de lenda.
Portanto, nada do que o jovem, que durante a conversa se identificou como Theodoro Antunes, me contou era novidade. Por outro lado, Alonzo escutara o rapaz, que preferia ser chamado de Theo, atentamente. Apesar de conhecer a lenda da última mulher da Terra, Vargas não estava familiarizado com suas nuances.
– Tudo bem, garoto. Importa-se de ir direto ao ponto? – pedi impaciente.
– Eu acho que descobri onde está a última mulher da Terra – novamente Alonzo e eu cruzamos olhares, e desta vez trocando uma expressão mútua de espanto.
– Eu lido com computadores, manutenção, análise de sistemas, essas coisas... Eu faço uns trabalhos free-lance para o governo de vez em quando. Fui contratado para recuperar dados de um servidor das antigas Forças Armadas que haviam sido perdidos por uma falha do sistema. Como hoje não existe mais exército, o governo queria recuperar esses dados pelo seu valor histórico. Preservar a memória de uma instituição extinta, esse tipo de coisa. Enquanto eu fazia esse serviço, acidentalmente recuperei um arquivo. É uma cópia que fora apagada do servidor há cerca de trezentos anos.
– O que tem nesses arquivos? – indaguei curioso.
Theo apoiou os cotovelos na mesa, se aproximou de nós e sussurrou:
– São dados de um experimento de criogenização.
– E? – perguntou Alonzo, indiferente.
– Prestem atenção. A cobaia, no experimento, é identificada apenas pelas iniciais XX. Entenderam? Cromossomos XX? E sabem o que é mais estranho? As coordenadas de latitude e longitude onde está localizado o casulo. É uma região selvagem bem no meio da Floresta Amazônica! Por que motivo o exército haveria de colocar um laboratório de criogenização num local de tão difícil acesso? – disse Theo, inquisitivamente.
– Posso pensar em inúmeros motivos – respondi.
– Você não está interessado em saber o que tem nesse casulo? – perguntou-me Alonzo, ciente de que eu já estava cogitando uma nova aventura.
– Tudo bem, garoto. Vamos supor que você esteja certo. Por que você está me contando isso? – perguntei.
– Porque eu quero que você encontre o casulo, e quero que me leve com você na viagem – respondeu Theo, ansioso.
Perguntei a Theo por que ao invés de me procurar ele simplesmente não informou as autoridades. O jovem respondeu que meu discurso na televisão o inspirou, que também não se sentia plenamente feliz e que essa era a grande chance de fazer algo diferente.
– Você sabe que, se o garoto estiver certo, isso irá revolucionar o mundo. Imagine como homens reagiriam ao descobrirem que ainda existe uma mulher viva no mundo. Vocês já pararam para pensar na repercussão e nas consequências? – refletiu Alonzo.
– Espera, espera, espera! – interrompi Alonzo e Theo. – Não temos a menor ideia do que há nesse casulo. Sequer sabemos se ainda está lá. Então, antes de perdemos tempo com conjecturas vamos descobrir o que há no meio da floresta.
Alonzo chamou a garçonete, pagou a conta e se levantou. Antes de ir embora, virou-se para mim e disse:
– Se você encontrar algo nessa expedição, quero ser o primeiro a saber. Vamos fazer uma reportagem exclusiva. Você tem meu número.
– Então? Você topa? – perguntou Theo com um brilho infantil nos olhos.

Sempre que me preparava para uma nova aventura, um misto de entusiasmo e medo tomava conta de mim. Pensava em tudo o que poderia dar errado. Eu poderia sofrer um grave acidente ou até mesmo morrer. Nunca mais veria meu filho ou Janine. Contudo, meus temores eram contrabalanceados pelo desejo de enfrentar o desconhecido. O que haveria escondido há séculos no meio da floresta? Eu precisava descobrir. Desvendar o mistério do casulo se sobrepunha ao sentimento de cautela. O conflito interno me atormentava. Por um lado, queria ficar na segurança de minha casa com meu filho e minha ginoide. Por outro, queria me arriscar. Não poderia passar o resto da minha vida imaginando como teria sido se eu tivesse escalado as montanhas de Marte, mergulhado nos oceanos das luas de Júpiter, entre outras proezas que realizei ao longo dos meus cinquenta anos de idade. Esse sentimento de “o que poderia ter sido?” era insuportável. Portanto, sempre me decidia em favor da aventura.
Essa hesitação era a mesma que me assombrara em outras ocasiões. Já estava acostumado, e aprendi que a melhor forma de lidar com isso era me mantendo ocupado. Comecei a treinar com uma intensidade maior do que o normal. Barras, abdominais, levantamento de pesos, corridas. A experiência me ensinou que em situações de perigo, um corpo em boa forma é a diferença entre a vida e a morte.
Fui para a sala de ginástica praticar artes marciais. Programei os androides para nível máximo de dificuldade. Foi uma luta e tanto. Eu contra três máquinas. Nunca tinha lutado com tantos ao mesmo tempo. Estava cansado, suado, com alguns hematomas, mas não preocupado. Havia um protocolo de segurança na programação dos androides que os impediam de me ferir gravemente. Entretanto, confesso que sempre tive vontade de desligar os protocolos, mas nunca tive coragem. Se fizesse isso, o combate se tornaria letal, tal qual acontecia com os gladiadores de Roma que eu lera a respeito.
Ouvi a voz de Nathaniel. “Pai”, essa simples palavra foi o suficiente para me distrair. O shuto de um androide acertou minha mandíbula em cheio. Quando eu me dei por conta estava caído.
Dei um comando de voz para pausá-los. Nathaniel veio correndo em minha direção e me abraçou.
– Desculpa, pai.
– Tudo bem, filho. Não foi culpa sua – disse, abraçando-o.
Nathaniel queria que eu o ajudasse nos seus estudos. Estava tão envolvido com os preparativos de minha expedição que não pude atendê-lo. Theo e eu partiríamos em duas semanas. Passei a última semana organizando os mantimentos, equipamentos e estudando todo o material que eu pude encontrar sobre a Floresta Amazônica. Podia ter mandado Janine ajudar Nathaniel com seus estudos, mas sabia que ele preferia a minha companhia.
Fomos para a biblioteca. Nathaniel sentou no meu colo, e abrimos o capítulo sete do livro A Extinção de um Gênero: a História das Mulheres no Terceiro Milênio.

No período que ficou conhecido como A Segunda Idade das Trevas, as mulheres morreram aos bilhões em questão de décadas. Estima-se que pereciam em média vinte e cinco milhões de mulheres por ano ao redor do planeta, vítimas da Praga Vermelha.
O sexo feminino tornou-se precioso. Os países que conseguiram salvar algumas poucas mulheres logo entraram em atrito com outras nações. Este foi o estopim que deu início a era da Guerra da Praga Vermelha. O mundo foi assolado por versões modernas da Guerra de Tróia, que ocorreram simultaneamente nos quatros cantos do globo. Homens se engajaram em um conflito que levou a morte de bilhões.
No começo homens resistiram às ginoides. A ideia de substituir suas mães, irmãs, filhas e esposas por máquinas desagradavam a população masculina em geral. Todavia, a necessidade de companhia feminina foi mais forte e homens terminaram cedendo.

Oito da manhã. Eu estava no cais levando os mantimentos e todo o material necessário para o barco. Do lado oposto ao Rio Amazonas, podia-se ver androides carregando pesadas toras de madeira para um armazém. Conseguir um meio de transporte não foi fácil. Tudo era automatizado e há séculos que nenhum ser humano entrava na floresta. A extração de madeiras e minerais em regiões de difícil acesso era realizada pelas máquinas. Portanto, tudo o que consegui foi uma antiga embarcação pesqueira reformada e pilotada por um androide. Ao dizer quais eram minhas pretensões o dono do barco, um sujeito de sobrenome Gomes, encarou-me como se eu fosse louco.
– Porque você não usa um androide para chegar a essas coordenadas que você quer? Tenho um muito bom com ótimas câmeras instaladas. Você pode acompanhar todos os seus movimentos e inclusive controlá-lo via computador – disse o dono do barco, olhando para o mapa que eu tinha em mãos.
– Não, obrigado – respondi com um sorriso gentil.
– Talvez seja uma boa ideia, Bruno. Porque não mandamos o androide? – disse Theo, preocupado.
– Escuta, se você não quiser ir eu entendo. Sei que isso é perigoso e você não está acostumado com esse tipo de situação – respondi condescendente.
Theo ficou em silêncio por um breve momento.
– Não, tudo bem. Eu vou – ele disse nervoso.
Subimos no barco. Partimos em direção ao norte do Rio Amazonas.